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Rupturas e continuidades

Atualizado: 23 de mai. de 2022


Ah! a flecha do tempo! Como ela nos faz pensar na primeira e na segunda Lei da termodinâmica…

“O que? Pensei que esse fosse um blog sobre leituras ou até mesmo sobre a História!”

Pensou certo! Esse blog é sobre literatura. Ele fala de leituras, do meu livro e de História.

E é por isso mesmo que hoje vou falar sobre essas duas leis de termodinâmica. E também sobre entropia.

“Ai, Adriana, aí você já está forçando a amizade! Entropia?”

Está bem, chega de provocação. Eu vou me explicar.


Desde pequenos, nas aulas e nos livros didáticos de História, nos apresentavam a famosa Flecha do Tempo. Aquela linha horizontal mais ou menos longa, com um triângulo em forma de ponta de flecha na extremidade da direita sobre a qual, dependendo do tema, se traçavam pequenas linhas verticais sob as quais se lia “Revolução Francesa-1789”, “Guerras napoleônicas 1803-1815”, “Restauração da monarquia francesa 1815-1830” e por aí vai.

Pois bem, essa flecha do tempo tem relação com os trabalhos do astrofísico inglês Arthur Eddington.

Em 1927, Eddington desenvolveu o conceito de Direção única e Assimetria do tempo e sua proposta resultou em um “Problema em aberto da Física”. Eu tenho autoridade zero para falar de Física, mas como sou do time que acredita que todas as coisas estão interligadas, e que o conhecimento e o saber estão e devem sempre estar à disposição de qualquer um, vou arriscar uma explicação bem tosca e leiga, que vai justificar porque estamos falando sobre essas coisas.


A primeira Lei de termodinâmica fala do princípio da conservação de energia (mecânica, térmica e cinética). Em teoria, se “nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, uma força em movimento deveria manter-se sempre em movimento, se não houvesse nada que se interpusesse em sua marcha. Essa ideia levou muitos professores pardais a tentar criar mecanismos de movimento perpétuo: máquinas que, uma vez que sejam providas de uma carga de energia inicial, vão continuar esse ciclo de movimento perpetuamente. Imagine um motor de carro que funcionaria com duas baterias, constantemente passando energia de uma para outra, essa energia fazendo girar o motor. Que sonho seria!

Já a segunda Lei de termodinâmica vêm para jogar um balde de água fria sobre a teoria da energia constante. Foi o francês Sadi Carnot quem demonstrou que um mecanismo provido dessa energia inicial nunca irá executar toda a sua capacidade de movimento. Resultado: aos poucos o mecanismo perde energia. E essa perda gradual é chamada de Entropia.

A entropia nos diz que um sistema fechado tende a iniciar sua existência em ordem, mas essa ordem se perderá ao longo do tempo.

E é aí que entra nossa Flecha do tempo. De acordo com Arthur Eddington, a energia tem uma direção única ou seja, ela não é reversível. Se jogamos uma bola de tênis para cima, ainda que ela retorne às nossas mãos, isso não significa que ela fez uma caminho reverso. A subida e a descida são continuidades da trajetória da bola. E uma vez iniciado, não há como reverter esse processo. Da mesma forma, a energia que lançou a bola para cima foi dispersada a ponto de não ser mais capaz de continuar o movimento da bola. A bola vai cair de volta e em algum momento parar. A energia inicial se alterou, portanto ela é assimétrica.


E isso tem tudo a ver com o tempo: ele segue em frente. Isso significa que não há retorno para nada. Mesmo que você agora esteja pensando na Teoria da relatividade e em buracos de minhoca (túneis de viagem espaço-tempo), mesmo esses movimentos seriam de continuidade (se você voltasse no tempo, estaria consciente desse retorno, então não se pode dizer que você voltou, mas sim, visitou o passado. E se você voltar no tempo, aos seus seis anos de idade, sem ter consciência disso, isso não seria voltar, mas retomar um ponto da trajetória, anulando todo o resto).


Aceite isso: o tempo não pára e não volta.

Uma ação iniciada vai seguir sua trajetória, durante a qual perderá energia até se dispersar e deixar de existir. Isso vale para tanto para as flores do seu jardim quanto para o Universo. Se a duração dessa trajetória será longa ou curta, são os fatores de interferência que determinarão isso, mas as variáveis são tantas que nem vale a pena tentar prevê-las. Nós não controlamos a trajetória do tempo. Nós somos a trajetória.


Isso faz pensar sobre muitas coisas, e uma delas é o tema inicial desta nossa conversa de hoje: afinal, a vida é uma sequência de rupturas ou é uma continuidade?

Muitas pessoas, quando pensam em suas próprias vidas as vêem como blocos, como trechos de eventos marcantes. Elas a vêem como partes que formam um conjunto. Em suas narrativas, as experiências são compartimentadas: “quando eu era criança eu era assim, na adolescência era assado” ou “quando eu era jovem”. Muitas das vezes transparece uma nostalgia, um saudosismo desse “eu” do passado através de frases como “bons tempos”, “saudades desse tempo”.

Os eventos caem como pesados blocos uns sobre os outros: o tempo de escola é achatado pela faculdade, bum! A juventude fica para trás, como se se tratasse de outra pessoa quando chegam os 40, 50 anos, bum! Os filhos que eram pequenininhos e conduzidos sob asas protetoras e controladoras, chegam à vida adulta e bum! você se tornou obsoleto, como se não fosse mais aquele pai e aquela mãe que saíram da maternidade encantados com a jóia que tinham nas mãos.

E por aí vai. Olhamos para fotos antigas e dizemos “caramba, eu era bonito, eu era bonita”. Tudo descompartimentado, tudo frouxo, dando a impressão de falta de controle, como se os eventos fossem tão aleatórios que nós não temos participação neles e sim, somos suas vítimas. Isso acaba sendo assustador, dá a impressão de instabilidade. “Hoje eu sou essa pessoa, quem serei eu daqui a 10 anos?”


Mas a Flecha do tempo, se serve para criarmos mecanismos utilitários (automóveis, máquinas, aparelhos eletrônicos e espaçonaves), serve também para nos dar um outro olhar sobre nossa própria existência.

Não, não somos feitos de blocos de eventos, cada qual correspondente a um “eu” específico (eu criança, eu adolescente, eu jovem, eu adulto, eu velho, eu não mais). Nossa existência em si é uma força, uma energia. Se criada por uma força maior ou não, com propósito ou não nem vem ao caso. Existimos, isso é fato. Somos impulsionados na direção do futuro, pois o tempo não volta, isso é fato. Os eventos de nossa existência estão sujeitos à entropia: inicialmente ordenados, para terminarmos desordenados, isso é fato.

Quando nascemos, nossas ações eram limitadas, nossa energia ordenada (um bebê que não se locomove, não fala e interage de maneira limitada com seu entorno não gera muitos eventos). É quando crescemos e nos tornamos autônomos que criamos os acontecimentos de nossas vidas. Assim, a direção única de nossa energia/existência (não podemos voltar no tempo), e a assimetria dessa energia/existência (nem um dia é igual ao outro), nos encaminham até o presente. Não há rupturas. Você ainda é a mesma pessoa de seus cinco anos de idade. Você ainda é aquela criança que entrou no primeiro dia de escola assustada ou animada.

Você ainda é o adolescente, a adolescente que tinha certeza de que nunca ficaria igual a seus pais. Sua vida é uma flecha em direção ao futuro. E nela você vai colocando tracinhos de eventos marcantes, que culminarão no momento atual. Mas esses tracinhos só servem para te ajudar a compreender o todo. Eles não rompem o traçado.

Sua vida é feita de continuidade, marcada por altos e baixos, mas sempre sobre a mesma trajetória, não de cacos espalhados sem conexão.

Quando você finalmente perceber a beleza dessa energia que te move talvez pare de sentir saudades do passado e passe a incorporá-lo ao conjunto de sua vida. Então para você não haverão mais altos e baixos, tempos felizes que ficaram para trás. Todo o repertório de eventos de sua vida serão aceitos porque você saberá que eles são a energia que te move, que faz com que você seja você.

Portanto, não se desconecte de si mesmo. Se você não pode - e não deve - voltar no tempo, você pode abraçá-lo, pois abraçar o tempo é abraçar a própria existência!

E o mais bonito disso tudo é que todas as flechas do tempo, todas as existências estão interligadas. Você não está sozinho e nem precisa sentir-se sozinho. Aproveite cada tracinho dessa existência e interaja, conecte-se com sua vida e com as coisas e pessoas que cruzam o seu caminho. E se o final é inevitável, que seja! Afinal o que conta é que você existe agora, que velho ou moço, velha ou moça, você é energia! Conecte-se consigo e com o mundo e viva cada desordem como parte imprescindível, ainda que incompreendida, da sua flecha do tempo. Sem rupturas, mas de continuidade que segue seu próprio ritmo.

1 Comment


lincoln hartmann
lincoln hartmann
Jun 04, 2021

Da entropia para a termodinâmica e o sentido da vida. Foi uma viagem sutilmente guiada pelas sendas da fisica até a metafísica! É interessante quando o texto começa bem e acaba melhor, talvez porque nós, leitores, melhoremos junto. Obrigado!

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